Os três principais candidatos ao governo do Amazonas têm discursos que, em menor ou maior grau, sugerem preocupação com o meio ambiente. Ao mesmo tempo, todos apoiam obras e políticas que são inconsistentes com isto. Todos estão a favor do projeto de reconstrução da rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho), com as declarações de apoio ao projeto normalmente sendo complementadas com afirmações da intenção de ter governança e controle do desmatamento.
Infelizmente, o fato é que controlar o impacto da migração dos processos do arco do desmatamento na vasta área a ser aberta a essa pressão, que não se restringe à área ao longo da rodovia em si, teria um custo astronômico e exigiria uma mudança na governança antes dessa abertura que levaria um tempo bem mais longo que um mandato de governador (veja [1-3]). E controlar isto não seria fácil, mesmo com todos os recursos imagináveis. Com relação à parte do impacto que ocorreria ao longo da própria estrada, é falsa a noção de que o asfalto dar melhor acesso para fiscalização resolveria as ilegalidades ambientais tão evidentes hoje: com a melhoria paulatina da estrada desde 2015 os crimes ambientais têm aumentados cada vez mais ao invés de diminuírem (veja [4. 5]).
Essencialmente todos os políticos no Amazonas estão a favor da obra, desde que, é claro, o custo seja pago pelo Governo Federal, ou seja, quase tudo pelos contribuintes em outras partes do País. É evidente que os candidatos ao governo do estado só podem ter a posição que têm, pois nenhum político seria eleito no Amazonas se fosse contra a BR-319. A questão que surge, portanto, não é qual é a posição de cada candidato na campanha, mas até que ponto cada um entende o impacto catastrófico que a BR-319 e suas estradas laterais teriam em qualquer cenário minimamente realista em termos de “governança”. Precisamente a área de floresta sendo ameaçada fornece água que é transportada para São Paulo pelos ventos conhecidos como “rios voadores”, e evitar a perda deste serviço ambiental é fortemente no interesse nacional brasileira (veja [6-8]).
Outra grande questão que os candidatos e outros políticos não querem encarar é de parar a chamada “regularização” de “propriedades rurais”. Esses termos, na grande maioria dos casos, são eufemismos enganadores. “Regularização” implica que as pessoas em questão realmente tenham direito à terra reivindicada e que o fato de não terem o título é apenas devido à ineficiência da burocracia governamental. O discurso de que se trata de ribeirinhos que vivem ao longo dos rios amazônicos há gerações sem ter títulos à terra é falso, sendo que quase toda a área em questão é de ocupação ilegal recente ou mesmo de registros autodeclarados no CAR sem nenhuma fiscalização.
Com a exceção da pequena parte desses programas voltada aos povos tradicionais, não é “regularização”, mas, sim, a legalização de ilegalidades (veja [9-12]). Também não são “propriedades rurais”, pois se trata de terra do governo. A contínua legalização de reivindicações de terra é um dos grandes motores do desmatamento, e isto é estimulado pelo avanço contínuo do marco no tempo estabelecido pelo governo para ser elegível à titulação e pelo aumento repetido do limite máximo da área que pode ser legalizada. Conter o desmatamento requer enfrentar as raízes do problema, não apenas recuperar os órgãos ambientais, embora isto também seja uma necessidade urgente. O que se ouve dos candidatos é apenas a promessa de mais “regularização”.
A imagem que abre este artigo mostra um trecho da BR-319, no estado do Amazonas, em 2018 (Foto: Reprodução/Idesam)
Notas
[1] Fearnside, P.M. 2022. Por que a rodovia BR-319 é tão prejudicial. Amazônia Real.
[2] Fearnside, P.M. & P.M.L.A. Graça. 2009. BR-319: A rodovia Manaus-Porto Velho e o impacto potencial de conectar o arco de desmatamento à Amazônia central. Novos Cadernos NAEA 12(1): 19-50.
[3] Fearnside, P.M., L. Ferrante, A.M. Yanai & M.A. Isaac Júnior. 2020. Região Trans-Purus, a última floresta intacta. Amazônia Real.
[4] Andrade, M.B.T., L. Ferrante & P.M Fearnside. 2021. A rodovia BR-319, do Brasil, demonstra uma falta crucial de governança ambiental na Amazônia. Amazônia Real, 02 de março de 2021.
[5] Fearnside, P.M., L. Ferrante & M.B.T. de Andrade. 2020. Ramal ilegal a partir da rodovia BR-319 invade Reserva Extrativista e ameaça Terra Indígena. Amazônia Real, 09 de março de 2020.
[6] Fearnside, P.M. 2021. Audiências públicas BR-319: Um atentado aos interesses nacionais do Brasil e ao futuro da Amazônia. Amazônia Real, 28 de setembro de 2021.
[7] Fearnside, P.M. 2015. Rios voadores e a água de São Paulo.
[8] Fearnside, P.M. 2021. As lições dos eventos climáticos extremos de 2021 no Brasil: 2 – A seca no Sudeste. Amazônia Real, 20 de julho de 2021.
[9] Fearnside, P.M. 2020. O perigo da “lei da grilagem”. Amazônia Real, 22 de maio de 2020.
[10] Fearnside, P.M. 2022. Questões de posse da terra como fatores na destruição ambiental na Amazônia brasileira: O caso do sul do Pará. p. 39-54. In: Fearnside, P.M. (ed.) Destruição e Conservação da Floresta Amazônica, Vol. 1. Editora do INPA, Manaus. 368 p. (no prelo).
[11] Carrero, G.C., R.T. Walker, C.S. Simmons & P.M. Fearnside. 2022. Land grabbing in the Brazilian Amazon: Stealing public land with government approval. Land Use Policy art. 106133.
[12] Ferrante, L., M.B.T. Andrade & P.M. Fearnside. 2021. Grilagem na rodovia BR-319. Amazônia Real.
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