O Senado Federal aprovou, no fim de março, o Projeto de Lei nº 5.427/2023, que autoriza o uso de tornozeleiras eletrônicas para monitorar agressores em casos de violência doméstica e familiar. O objetivo é garantir o cumprimento de medidas protetivas e oferecer maior segurança às vítimas. O texto, de autoria do deputado federal Gutemberg Reis (MDB-RJ), aguarda sanção presidencial para se tornar lei em território nacional.
O PL também prevê a oferta de dispositivos de segurança para as vítimas, como aplicativos de celular com “botão do pânico”, que alertam a polícia em caso de aproximação indevida do agressor, complementando as medidas protetivas de urgência que já limitam os locais que o infrator pode frequentar.
O uso da tornozeleira eletrônica como ferramenta de proteção às mulheres também é tema de outro projeto em análise no Senado, o PL 1.781/2022, que permite a imposição de monitoração eletrônica a agressores domésticos. O objetivo é aumentar a eficácia das medidas protetivas de urgência contra a violência doméstica e familiar.
No Amazonas, quando à Justiça determina o uso da tornozeleira eletrônica por uma pessoa que esteja respondendo a processo, esta é encaminhada para a colocação do equipamento no Centro Integrado de Acompanhamento de Alternativas Penais (CIAPA), vinculada à Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap-AM), que também é responsável pela fiscalização de monitorados. No entanto, a secretaria não informou qual o quantitativo atual disponível desses dispositivos.
Indicadores criminais
O contexto local reforça a urgência da aplicação da lei federal. Dados da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) mostram que o descumprimento de medidas protetivas aumentou 39,1% no estado entre 2023 e 2024 — passando de 906 casos em 2023 para 1.261 no ano seguinte. Em Manaus, o crescimento foi de 13,2%, com 827 registros em 2024, frente a 730 em 2023.
Também subiram os casos de lesão corporal no contexto doméstico, passando de 4.387 (2023) para 4.967 (2024) em todo o estado.
O crescimento da violência doméstica também é evidenciado pelos dados divulgados pelo Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM). Em 2024, foram protocolados 15.804 Medidas Protetivas de Urgência (MPUs).
Ao todo, nos últimos cinco anos, foram protocolados 102.551 processos de violência doméstica e concedidas 52.905 medidas protetivas. O número de processos relacionados ao tema saltou de 18.425, em 2020, para 25.669 em 2024 — um aumento de quase 40%. Somente no primeiro semestre de 2025, o TJAM concedeu 6.814 MPUs, de um total de 7.372 pedidos.
“A Lei nº 14.550/2023, que determina a concessão sumária de MPUs, independente de tipificação penal ou inquérito policial se persistir o risco à vítima, é uma ferramenta que já utilizamos há muito tempo aqui (no estado), em casos que entendemos que há necessidade, encaminhamos para colocar a tornozeleira. Agora, também urge a responsabilidade do Estado de ter condições de fornecer equipamentos suficientes para atender a demanda”, destaca a titular do 1.º Juizado de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Manaus, juíza Ana Lorena Gazzineo.
“Na imensa maioria dos casos, essas MPUs têm sido suficientes para evitar novas violências, porque um agressor que tem um oficial de Justiça batendo à sua porta – levando uma decisão judicial que determina que ele se afaste da vítima–, leva a esse homem a mensagem de que a Justiça existe e está presente, que o descumprimento dessa ordem terá consequências”, destaca a magistrada.
Mais equipamentos
No Amazonas, a Lei nº 7.260, da deputada estadual Alessandra Campelo (Podemos), estabelece o monitoramento eletrônico de agressores de mulheres. A lei inclusive prevê que o acusado arque com as despesas relacionadas ao uso do equipamento.
A deputada Alessandra afirma que o monitoramento contínuo dos condenados contribui para a fiscalização do cumprimento das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha.
A delegada Patrícia Leão, titular da Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher (DECCM Centro-Sul), destaca que medidas parecidas já são adotadas em outros estados, mas reitera que há necessidade de mais equipamentos para suprir a demanda no Amazonas.
“Já temos uma lei estadual sobre a questão, mas precisamos de maior quantidade de tornozeleiras para cobrir os números altíssimos. Por mês, em média, enviamos cerca de 300 medidas protetivas à Justiça. É preciso efetivar o monitoramento”, disse.
“Se sancionado, o PL será um avanço fundamental. Mais um mecanismo de proteção das mulheres, um plus no combate à violência doméstica e familiar. Muitas vidas podem ser salvas e vamos conseguir reduzir os números relacionados ao feminicídio”, afirma a delegada.
Políticas integradas
Juliana Marques, vice-presidente do Instituto As Manas, avalia que o projeto é válido, mas enfrentará desafios: “A aplicabilidade do PL não se concretiza, face a insuficiência de equipamentos eletrônicos de monitoramento para crimes do dia a dia, quiçá para o aumento da demanda de violência doméstica. A maior dificuldade será a resposta rápida, porém na capital, a Ronda Maria da Penha é eficaz porque monitora ativamente as vítimas”, aponta.
Atualmente, a Ronda Maria da Penha, da Polícia Militar do Amazonas (PMAM), monitora 341 mulheres em Manaus. Em 2024, foram 38 flagrantes por descumprimento de medidas protetivas. No primeiro trimestre deste ano, a capital já registrou 13 prisões em flagrante por descumprimento de MPUs. Em dez anos, nenhuma mulher acompanhada pela foi vítima de feminicídio.