Especialistas em varejo avaliam que há uma grande possibilidade de a Black Friday deste ano ser ainda pior do que a do ano passado, a mais fraca da história
A estiagem extrema e histórica no Amazonas pode atrapalhar a Black Friday, uma das melhores datas do comércio varejista, no próximo dia 24 em todo o Brasil. A seca prolongada no estado – a pior em 120 anos –, que se arrasta pelo desde agosto, deixou todos os 62 municípios amazonenses em situação de emergência, reduziu severamente o nível dos rios, o que prejudica diretamente o escoamento da produção de eletrodomésticos e eletrônicos fabricados no Polo Industrial de Manaus (PIM).
No fim do mês passado, o nível do Rio Negro era o menor já registrado desde 1902, quando começaram as medições do seu volume ficando abaixo de 12 metros de profundidade. Cerca de 95% do transporte de produtos – ar condicionados, geladeiras, ventiladores saem da capital amazonense por via fluvial.
Segundo a Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem (Abac), há pelo menos três semanas não chegam navios com contêineres de insumos da China – em condições normais, circulam cerca de 15 mil contêineres em Manaus a cada mês.
Dados do Centro da Indústria do Estado do Amazonas apontam que menos de 1% da produção total das fábricas de Manaus deixa o polo industrial por meio do transporte aéreo.
A Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros) estima que 100% da produção nacional de ar-condicionado, televisores, lavadoras de louça e micro-ondas venha da Zona Franca.
Diante da queda no volume de produtos transportados nos últimos meses, quase 40 das 100 empresas instaladas em Manaus anteciparam as férias coletivas de dezembro para outubro e novembro, de acordo com o Sindicato dos Metalúrgicos do Amazonas (Sindimetal-AM).
Atualmente, 95% do transporte dos produtos manufaturados e das matérias-primas vem sendo realizado por meio de balsas, que suportam apenas entre 10% e 15% dos volumes escoados pelos navios maiores.
Impacto nos preços
O comércio varejista está pessimista em relação às vendas em uma das datas mais importantes do ano para o comércio brasileiro. Estimativas da empresa de segurança digital ClearSale, segundo reportagem do site Metrópole, indicam diminuição de 40% nos pedidos em relação a 2022, quando foram feitas 6,1 milhões de compras naquele dia já tradicional do calendário em que os lojistas oferecem uma série de promoções e descontos para atrair os consumidores.
“Vai impactar muito a Black Friday. Aliás, já está impactando. O que levava cinco dias para cruzar os rios e chegar aos portos está levando cerca de 25 dias”, afirma Ulysses Guimarães, professor de MBA da Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista em varejo.
“Isso faz com que subam os preços desses produtos, em primeiro lugar. Em segundo lugar, faltam produtos. Muita coisa acaba não sendo produzida”, disse ele.
Para Roberto Kanter, também da FGV, quem pagará essa conta será o consumidor. “Quem mais sofre, obviamente, é o consumidor, que fica sem alternativas e pode ver sua entrega adiada”, diz. “Vai depender muito também dos players on-line. Temos de ver como eles vão reagir em relação às entregas. Se venderão o produto e informarão que a entrega será feita mais tarde, por exemplo. Aí será preciso ver se as pessoas, ainda assim, vão comprar.”
“Obviamente, o setor será afetado, e a Black Friday, particularmente esses setores que têm uma dificuldade logística maior, terá um desempenho ruim. Mais até do que a Black Friday, o grande problema é o Natal”, complementa Kanter.
Estoques
Segundo os especialistas ouvidos pela reportagem do Metrópoles, os varejistas já vêm sofrendo com os impactos da seca no Amazonas ao menos desde setembro e buscam se precaver para minimizar as perdas na Black Friday.
Muitos lojistas anteciparam os pedidos aos fabricantes e outros vêm tentando importar matéria-prima diretamente da China por meio do transporte aéreo.
Dados de outubro do Índice de Confiança da Indústria, calculado pela FGV, mostram que os níveis de estoque subiram 1,2 ponto em relação a setembro, atingindo a marca de 112,3. Quando o indicador está acima de 100 pontos, significa que há excesso de oferta na indústria, o que pode compensar, em parte, a menor produção do Polo Industrial de Manaus.
“É verdade que muitos varejistas fizeram estoque de produtos. O problema é que isso deveria ter começado em julho ou, no máximo, em agosto. Portanto, esses estoques não devem ser tão significativos”, alerta Guimarães. “Hoje, de forma geral, não se fazem mais grandes estoques. O que dá mais dinheiro é o giro, é comprar e vender rápido.”
Roberto Kanter, por sua vez, afirma que o estoque continua sendo “o grande calcanhar de Aquiles de qualquer operação de varejo”.
“Uma boa gestão de estoque é a chave para o varejo passar bem, sem apuros. A minha recomendação aos varejistas, hoje, é que apostem em um cenário mais conservador. O ideal seria trabalhar com um estoque menor. Jamais deixar faltar o que vende”, diz.
“De qualquer forma, é preciso contar com a ajuda da natureza. Esperamos que isso seja passageiro. Em algum momento, vai voltar a chover e, provavelmente, o nível dos rios aumentará e voltará à normalidade”, prossegue Kanter.
“O Norte é uma região muito sacrificada em relação à logística. Há pouquíssimas estradas, que, em geral, são muito ruins. Os rios são imprescindíveis nesse processo.”
Pode ser a pior Black Friday da história
Em meio às enormes dificuldades logísticas, os especialistas em varejo avaliam que há uma grande possibilidade de a Black Friday de 2023 ser ainda pior do que a do ano passado, a mais fraca da história. Em 2022, o faturamento do varejo on-line despencou 28% em relação ao ano anterior, com cerca de R$ 3,1 bilhões em vendas, segundo dados da Neotrust.
Também na comparação com 2021, a última Black Friday registrou quedas de 5,9% no valor do tíquete médio de compras, 17% no preço médio, 23% na quantidade de pedidos e 13,5% no número de produtos vendidos.
“A projeção do varejo é a de que a Black Friday também seja ruim neste ano. Vai faltar produto, os eletroeletrônicos vão chegar muito caros e o consumidor terá de pesquisar muito”, projeta Ulysses Guimarães, da FGV.
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