Por Ivan Tukano, Carla Wisu e Pedro Tukano, especial para a Amazônia Real
Com a seca histórica registrada no Amazonas, Ühtã Hori (expressão na língua Tukano de “Gravuras Rupestres”) de diferentes formas, como a de rostos, gravadas por nossos antepassados nas paredes rochosas, reapareceram no sítio arqueológico e geológico Ponta das Lajes, na margem esquerda do Rio Negro, em Manaus.
O registro deixado por futuros humanos na sua passagem, resgata a memória e reafirma a presença histórica dos povos indígenas neste território. No entanto, com a baixa do Rio Negro, reaparecem não só os registros de imagens nas pedras, mas surgem as diversas violações e desrespeitos por partes de não-indígenas que, movidos por curiosidade ou pela incessante busca de “especialistas” em ver tudo que é nosso como objeto de estudo, acabam por mostrar desrespeito sobre as histórias e as casas de referências de histórias importantíssimas que explicam o surgimento dos humanos do ponto de vista dos indígenas do Alto Rio Negro, o que se torna uma violência aos povos originários da região.
O Centro de Medicina Indígena Bahserikowi vê com muita consternação as intervenções realizadas na Ponta das Lajes e alerta que essas atitudes podem trazer consequências de desequilíbrio entre os humanos “invisíveis” que habitam, que são donos desse território, e ataques aos seres humanos com infestação de doenças e desequilíbrio social.
Inscrições (Ühtã Hori) nas pedras no rio Tiquié, região do Alto Rio Negro, com textura marcada pelo desgaste do tempo e intempéries climáticas (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real/2019).
Conforme a cosmologia dos Povos Indígenas do Alto Rio Negro, como Tukano, Dessana e Tuyuca, que integram o quadro de colaboradores do Bahserikowi, a Ponta das Lajes, onde estão os Ühtã Hori, é uma região por onde passou a Pamüri Yuhküsü (Canoa especial que transportou os representantes de futuros humanos). É considerada uma casa de referência histórica de passagem de futuros humanos, na forma de proto-humanos.
A região do Encontro das Águas é um local bastante importante, pois foi onde parou a Pamüri Yuhküsü e, posteriormente, escolheu seguir pelo Rio Negro até Ipanure, região do Rio Waupés, localizado em São Gabriel da Cachoeira, o município mais indígena do Brasil com mais de 23 povos.
Portanto, o sítio Ponta das Lajes faz parte da nossa história como uma casa de referência histórica de passagem de futuros humanos, e é considerado casa que guarda muitos segredos e perigos que, quando desrespeitada, os humanos “invisíveis” que habitam nesse local podem atacar os humanos provocando diversos tipos de doenças. Para acessar nessa casa, ou nesse lugar, é necessário, primeiro, passar por processo de Bahsese (“benzimento”) de proteção para evitar os ataques dos humanos “invisíveis”.
Há situações que nenhum pesquisador não-indígena, seja arqueólogo, antropólogo, historiador e entre outros podem enxergar, pois tampouco conhecem ou enxergam além do olhar colonial. Mas, para nós indígenas, esse ponto de vista é algo concreto e vivo! O equilíbrio cosmopolítico, social e econômico depende do nosso respeito, diálogo e relação de troca que estabelecemos com esses humanos “invisíveis” que habitam nessas casas. As imagens reproduzidas pelos futuros humanos nesse lugar são a materialidade de que esse território pertence aos povos indígenas.
Para andar nos lugares sagrados tem que ter Heõpeõ Masisé (Cultura de Respeito).
A imagem que abre este artigo é de autoria de Alberto César Araújo/Amazônia Real e mostra uma das inscrições (Ühtã Hori) nas pedras do sítio arqueológico da Ponta das Lajes.
*Os autores deste artigo são originários da Terra Indígena do Alto Rio Negro, São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas.
Ivan Tukano nasceu da aldeia São Domingos, no Rio Tiquié, no Alto Rio Negro. Ele é cofundador e coordenador do Centro de Medicina Indígena Bahserikowi, em Manaus.
Carla Wisu é indígena do povo Dessana e administradora do Centro de Medicina Indígena Bahserikowi. Ela nasceu na aldeia Cucura Igarapé, no rio Tiquié.
Pedro Tukano é de São Gabriel da Cachoeira e é comunicador indígena do Centro de Medicina Indígena Bahserikowi e da Rede de Mulheres Indígenas do Amazonas – Makira E’ta. Ele também é Coordenador do Coletivo Miriã Mahsã de Indígenas LGBTQIA+ do Amazonas.
O post As pedras Ühtã Hori e a cosmologia indígena do Rio Negro apareceu primeiro em Amazônia Real.
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